Minha casa, vossa casa

20:48



Quando entramos no mundo da diferença a palavra especial começa a fazer-se ouvir diariamente. Substituimos a palavra deficiente/diferente por especial: a criança tem necessidades especiais / os pais são muito especiais / é muito especial, esta criança / precisa de medidas especiais e por aqui fora. Foram várias as vezes que médicos e outros se perderam a elogiar-nos a nós pais por sermos especiais na forma como encaramos a doença ou ao(s) próprio(s) pela especial aceitação da sua condição.

No início sentia-me estranha ao ouvir tantas vezes, vocês são especiais e a levar para casa primeiro: uma doença degenerativa; mais tarde: qualquer coisa ao nível da integração sensorial que não ficou  muito bem resolvida em diagnóstico e nunca teve direito ao relatório.

Não sei se somos especiais ou não. Mas acho que a vida sem a felicidade (já sabemos da relatividade das coisas e da própria) não faz sentido; a vida é para ser vivida com ou sem doença/condição, não é para ser enclausurada atrás das grades da medicamentação e dos tratamentos 24/7.  Cá em casa temos um contrato vitalício com a felicidade nem que chovam raios e coriscos. Uma vez disseram-me, vocês têm muita sorte, ao que respondi que a sorte também se a faz.

Tenho dois filhos que fogem à norma e que me obrigaram a redescobrir o mundo sob a perspectiva de linhas oblíquas. Reconstruimos a Sorte e a Fortuna todos os dias. Não nos rendemos nem deixamos que a nossa vida se tornasse cinzenta. Encaramos a verdade de frente, por mais que doa. Estudamos, discutimos, arranjamos planos para que a vida se torne possível apesar da não normalidade com que lidamos todos os dias. Arranjamos soluções não formais porque queremos que os nossos filhos vivam não a doença/condição que a genética ou a sorte lhes talhou, mas sim a Vida..  Umas funcionam, outras não. Umas mantemos, outras reciclamos. Mas procuramos sempre soluções. Rimos muito. Todos os dias. A vida é o que fazemos dela. Pintamos o dia-a-dia com a paleta de cor que quisermos. E foi assim que decidimos viver a entrada de uma doença degenerativa neuromuscular de um e as dificuldades de integração sensorial de outro.

Será essa a tónica do que procurarei partilhar aqui no Especial de corrida - um blogue que terá periodicidade quinzenal. Ficarei muito feliz se alguém quiser partilhar as suas estratégias comigo. Aprendemos todos juntos.
Não controlamos o destino. Nem se o pretende. Mas somos donos da direcção que damos ao que nos acontece.


Nota: utilizo a palavra doença porque me refiro aqui a uma que está realmente definida como tal, e utilizo o termo condição (ou outro congénero) – quando me refiro às dificuldades de integração sensorial -  por em certas situações não existir, efectivamente um rótulo fechado.

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9 comentários

  1. A iniciativa é nobre, o talento é genuíno e os "Especiais de corrida", são uma bênção. Também tu, fazes parte dessa bênção na minha vida.
    Parabéns filha, por seres um ser humilde em constante evolução e pela tua insistência inteligente em quereres ser (serem)antes demais, feliz.
    Amoadoro vocês ( é mais que amor, é mais que adoração )
    Mãe

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  2. Parebens Susana! Felicidades nessa nova jornada. Adorei os textos, são leves, sensíveis e estimulantes.

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    1. Olá, Naira. Muito obrigada pelo seu apoio e opinião. Beijinhos

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  3. Parabéns, mas tem que escrever mais, todas as semanas, não duas vezes ao mes.

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    1. Obrigada, Javier. Vou tentar, vou tentar! Obrigada pelo apoio, conto com o seu olhar. ;) Beijinhos

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