Queres saber um segredo?
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A Verdade é um dos conceitos e
premissas que ocupa o primeiro lugar do pódio nos nossos princípios de
educação/de ser, de viver, enquanto indivíduo e parte de um colectivo – a
família, a sociedade. Desde sempre que penso muito na educação, na evolução do
ser humano enquanto unidade e parte de um todo – nessa mesma orientação:
indivíduo -> colectivo.
Parece-me justo que para haver entendimento e
serenidade tenha de haver verdade e a sua efectiva compreensão. Também para
isso estudamos. E evoluímos também à luz do que conhecemos e compreendemos.
Acredito que é de pequenino que se torce o pepino, a edução, a formação de valores
é um processo contínuo que tem início a partir da primeira respiração, do
primeiro choro.
A Verdade não é algo que se
transmite a uma criança a partir de um determinado e iluminado momento, que lhe
fica disponível a partir de uma certa idade, como uma conta-poupança na qual só
pode mexer aos 18 anos. É parte integrante da vida, da sua personalidade e da
construção do hoje e do amanhã.
Há muito tempo atrás decidi que
contaria sempre aos meus filhos a verdade sobre a vida deles, que não lhes
esconderia nada, que é uma pertença deles e que faz parte da partilha e do
crescimento conjunto aprendermos a lidar com as verdades mais suaves ou mais
agrestes. A vida é mesmo assim. E nem por isso retira lugar à poesia com que
olhamos para a vida.
Contar a um filho que ele tem uma
doença ou uma dificuldade comportamental não é o que idealizamos. Os médicos
fazem a primeira parte. Dizem o nome da coisa. Nós, pais, saimos da consulta
com uma palavra para desconstruir, conceitos para esclarecer, sentimentos para
equlibrar e pacificar. É uma tarefa dura, mas importante, é parte integrante de
quem são, vai com toda a certeza pautar as linhas com que se cosem durante toda
a vida. Não estranhamos o que conhecemos, não nos revoltamos contra o que
compreendemos. Fazendo um parelelismo, usamos a língua materna com
espontaneidade, adquirimo-la desde sempre, temos dela um conhecimento formal
mas acima de tudo um conhecimento intuitivo. Aprendemos a usá-la para nos
exprimirmos à revelia da gramática. É nossa. Parte de nós. Uma segunda língua,
por mais fluentemente que a manejemos, não é nossa, há uma incompletude
cultural e gramatical que pode obstruir a mensagem que queremos comunicar. Eu
quero que os meus filhos conheçam bem a sua língua. Para a bem manejarem e
esgrimirem os osbstáculos pela estrada fora.
Perguntam-me como lhes transmito
a verdade, como o faço. Respondo como fazemos tudo. Como contamos como nascem
os bebés? Eu conto a verdade. Na primeira infância, conto que os pais gostam
muito um do outro, que namoram, que dão mimo um ao outro, beijinhinhos,
miminhos. Mais tarde, já falamos sobre o que é o sexo e o amor especificamente.
Tiram-se dúvidas, avisam-se dos riscos, descontroem-se preconceitos e por por
aí fora.
As possibilidades e o vocabulário
são inúmeras conforme variam as pessoas e o contexto específico... com a doença
ou a dificuldade é parecido.
Em primeiro lugar, há que ter em
conta a criança (jovem – pessoa, enfim). A minha filha é mais impressionável e
mais emocional do que o meu filho. Um vai exprimir o que sente de forma mais
intensa do que o outro. Um contém mais do que o outro. Ambos extremamente
sensíveis. Há que usar amor em dobro face à dor na hora em que sirvo a verdade.
Um colchão para acomodar a aterragem. Usar a lógica para explicar como se
passa, como acontece, admitir que não sei algumas coisas mas que vamos procurar
respostas juntos – tudo isto é notoriamente mais fácil de explicar a alguém que
não tem afectação cognitiva, como é o caso do Diogo, e que já foi diagnosticado
numa idade em que o intelecto já permiitia uma mais fácil compreensão das
coisas.
No caso da Matilde, ainda a missa
vai no adro. Ela tem apenas 6 anos. Tem uma leve lateralidade, o que me leva a
desconstruir as frases, os sentidos. Ela sabe que é agitada/“açucarada” e nós
usamos os casos práticos para lho mostrar.
O açucar não faz parte da sua
alimentação, a não ser pontualmente numa festa ali, uma loucura acoli - só
porque sim, faz parte do equilibrio que sentimos ser essencial para manter o
sentido de normalidade. Ora, quando ela come algum doce, momentos mais tarde
está com um ligeiro ou relevante sugar rush, fica algo alterada e agitada.
A própria sente, já se deu conta
disso e acaba por nos confidenciar ou que não se sente bem ou que sente
qualquer coisa. Por vezes, aproveitamos as
situações práticas para explorar com ela as suas particularidades. Conversamos sobre algumas das suas
características que nem toda as pessoas têm – explicamos que na realidade todos
somos assim, diferentes uns dos outros (normalização da ideia), mas alguns
meninos ficam agitados com açucar e outros não; a alguns meninos, tal como a
ela, os olhos doem quando recebem luz, não aguentam e começam a chorar, outros
não, e perguntamos-lhe se ela concorda ou não, se acha que é assim ou não. Deixamos
que seja ela a dizer e vamos tentando que entenda porque acontece e o que pode
fazer para que não se sinta incomodada, para que se defenda: usar óculos de sol
para se proteger da luz, calçar meias sem costuras para não sentir desconforto.
Seja qual for o caso,
cognitivamente mais fácil de lá chegar ou não, quando sabemos a verdade,
podemo-nos preparar, encontrar a solução ideal que sirva à medida da nossa
necessidade e personalidade. Quando lhes damos, aos filhos, uma verdade que é
deles também estabelecemos a confiança e o respeito por eles e pelo que é
deles. Eles reconhecem e devolvem. E assim, com o caminho arado podemos
continuar a caminhar. Não importa quantas pedras estejam no nosso caminho.
Podemos encontrar formas para nos desviarmos ou pegar na pedra e com ela adornar
a estrada.
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