Prato do dia: Cores e Texturas | Alimentação e dificuldades de integração sensorial
13:20
Uma das dificuldades que sentimos
desde sempre com a nossa Especial de Corrida nº2 é com a alimentação: cor, textura,
intensidade do sabor e efeitos colaterais de acúcares e congéneres - escreverei
sobre o acúcar durante a próxima semana, aguardem.
A boca desta miúda parece um
filtro. Não passa nada que lhe seja indesejável, já que detecta todas as
texturas.
Aspecto positivo disto das
dificuldades de integração sensorial e texturas: nunca se engasgou. Não temos de perder imenso tempo a separar
espinhas – embora, ainda assim, volta e meia o façamos; deverá ser, com toda a
certeza, mania de pais, coisas que precisamos mais nós do que eles
para nos sentirmos seguros e responsáveis.
Antes dos sólidos, ainda sem sabermos o porquê, já lhe notávamos
a exigência quanto à cremosidade da sopa e dos vestígios de legumes que
deixávamos por passar ou não. Virámos artistas da varinha mágica. Com o crescimento
e a diversidade de sólidos a entrar pelo cardápio, principalmente os legumes
com os seus vários tamanhinhos e, ai, as
várias cores, ai, ai, passou a ser uma verdadeira tortura, uma canseira... separava
e separava numa recusa irredutível de nos pôr os cabelos em pé. Até aprendermos
a conhecê-la, a respeitar aquilo que pensávamos serem esquisitices dela e
aceitar que com tempo, paciência e comunicação tudo se faz.
É, sem dúvida, um aspecto muito importante, a capacidade comunicativa:
não é só produzir as palavras, é o explicar o que sente, o que não gosta e o
porque sim e porque não. E é o nosso saber ouvir. Hoje em dia já conseguimos
negociar mais facilmente, mas os primeiros anos foram deliciosamente
arrepiantes.
Além das texturas, à mesa também
temos a alegria das cores e dos padrões a bater pé. A Matilde é, acima de tudo, visual e os
padrões sempre lhe foram um fascínio e como tal, gosta de comer no mesmo prato
– sempre às bolas -, já teve um outro prato e uma tipologia de copos
específícos e era um caso sério se nos enganassemos a pôr a mesa.
Como ela adora desenhar e tem uma
naturalidade com o lápis de carvão que nos surpreende, utilizámos também o
desenho como estratégia para a convencer a usar outra loiça chamando-lhe a
atenção para as ilustrações dos pratos -
os pratos antigos das avós azuis e brancos com paisagens pintadas servem que
nem uma luva -, desafiando-a a desenhar, suscitando a curiosidade dela,
portanto, de forma natural, suave e indo de encontro ao que a motiva, a
estimula, achas que consegues desenhar/queres
desenhar depois de comeres?/vá come para desenhares depois.
Hoje em dia já é tudo muito mais
tranquilo. Normalmente, damos-lhe o prato que ela prefere, outras vezes
enganamo-nos de propósito. Ela lá nos olha com aquele olhar oblíquo e nós respondemos
como quem nada quer, se comeres hoje
neste ninguém morre, certo? A comida não cai do prato nem te acontece nada de
grave, sim. Ela ora acena que sim e seguimos em frente, ora nos mostra o
beicinho de filha amorosa ohhhh, vá la,
e nós aceitamos e seguimos em frente. É como dançar. Um passo para aí, outro
para aqui, um sorriso no ar (às vezes não, somos gente de verdade) e lá vamos
nós, um dia depois do outro.
É sempre assim, não é? Simples.
Basta darmo-nos a eles, olharmos com atenção e respeitar a sua individualidade.
Dizem-nos tudo, mesmo sem palavras. Basta querermos ouvir. Para isso, é preciso
tempo. É preciso despojarmo-nos de nós e olhar para o outro.
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